terça-feira, 20 de outubro de 2009

Artigo de opinião


PROFESSOR, MÍDIA E ESTIGMAS
Anna Teresa R.M.A.Gouvêa


A mídia, via telas que emolduram imagens, embasa-se num processo semiológico de efeito instantâneo e impactante e age em cumplicidade com as leituras imediatas, efetuadas, algumas vezes, no ritmo dos tempos diacrônicos das “janelas” que se abrem e fecham no piscar de mouses, ou no digitar das teclas dos controles obedientes das TVS, e por que não dizer, nos espaços escassos e disputados das páginas diagramadas dos jornais e revistas carregadas de imagens em ação, que realizam sinapses, perpassando, a todo momento, por indícios verbais e não verbais.
Dentro desse universo plurissignificativo, focaliza-se, em close-up, uma personagem que emerge estereotipada num processo que faz com que o fabricado pareça real, registrando-se, assim, na História, a imagem do professor que, de mestre produtor de conhecimentos, reduz-se a simples transmissor de hipóteses fragmentadas, que lhes caem às mãos como dádivas enlatadas e condimentadas em série.
Apresentam-se sempre com o mesmo sabor e para que se complete essa metáfora, associemos a ela a própria etimologia da palavra saber, que se origina do latim nas mesmas bases de sabor. Assim, ao se definir o atual processo educacional sob a ótica da linguagem poética, poderíamos compará-lo como uma refeição “fast-food”, que é rapidamente servida e ingerida para que se atenda às necessidades básicas de conhecimentos necessários a uma cultura globalizada.

Quanto ao professor e sua imagem construída, se vamos buscá-lo, comecemos pela ordem cronológica do tempo e a partir de sua origem lexical e teremos um fio comum de significados que foram se estratificando ao longo dos tempos. Entre os lexemas que se avizinham no dicionário, à palavra profissão, juntemos, então, professor e proficiência e teremos, assim, o professor como o indivíduo que ensina ciência ou arte enquanto que proficiência é o conhecimento cabal e perfeito, maestria com que se avalia,discute e executa alguma coisa e, para finalizar a analogia, vem o último vocábulo, profissão, que no dicionário aparece com os seguintes significados: “ato ou efeito de professar; confissão pública: ato solene pelo qual alguém faz votos; técnico e intelectual de conhecimentos.”
Começa a se delinear aqui uma dicotomia que, se olhada de perto, é um paradoxo perfeitamente aplicável à situação real de vida pessoal e profissional do professor, sujeito (ou não) de sua própria história e se estamos falando de imagem que é “fabricada”, consideremos o efeito alcançado pela mídia em cima de uma categoria enfraquecida em suas bases. Seria o professor um profissional imbuído de vontade missionária e de obstinada dedicação voluntária, capaz de professar verdades em nome de um idealismo manipulado e manipulador que lhe é imposto garganta abaixo?
Há possibilidades de se referendar e mensurar essa imagem estratificada desde os primórdios históricos do mercantilismo, onde a necessidade de expansão e domínio levou a uma mudança econômica e consequentemente social, o que demandaria,uma visão foulcaultiana, que traz à tona doutrinas e sistemas de apropriação que se tornam nítidos.É nesse contexto que o professor segue seu fadário e como Prometeu acorrentado, sofre os castigos que lhe são impostos pelos deuses.
Não sejamos inocentes, sabemos muito bem quem eram e quem são hoje os Zeus e os abutres, que dia após dia, dilaceram-lhe o fígado.
Nunca foi tão clara e atual a visão de Geraldi, em seu livro “Portos de Passagem”, onde a escola e o mestre não mais se constituem pelo saber que produzem, mas sim por um saber produzido e, assim, nós educadores,mesmo que sem querer,somos coniventes nesse processo que nos coloca como capatazes eficientes e transmissores de conhecimentos prontos e envelopados em currículos e “cartilhas” distribuídas bimestral e anualmente.Jogo cruel que nos obriga a cavar nossa própria sepultura negando-nos os direitos autorais de nossas ações nas salas de aulas.
Não percamos de vista, porém, a grande vilã dessa história, a mídia, que, ao longo dos tempos,realizou o seu papel em diferentes contextos e que muito tem contribuído para que se solidifique essa imagem sucateada e desacreditada do professor, destituído de sua função maior de orientar e conduzir seus educandos nas pesquisas e na construção de seus próprios conhecimentos.
Esse estereótipo intencionalmente enfraquecido e deturpado do educador (e da educação) salta dos periódicos cotidianos: jornais e revistas, televisão, destacando se também nas telas do cinema e para exemplificar, dentre tantos textos fílmicos, citemos apenas alguns clássicos que vão desde o “Anjo Azul”, na década de 30, até “Ao mestre com carinho”, década de 70, que produziram e reproduziram conceitos e preconceitos Confirmam–se, assim, os estigmas da subprofissão, e da figura patética, muitas vezes casta, despolitizada, celibatária na profissão/sacerdócio, onde, como herói assume a missão de ensinar.
Hoje, após tantos descréditos e descasos, há quem anteveja o professor como categoria em extinção. Penso que existirão perdas, entendidas aqui mais como transformações, porque é tempo de despertar para uma nova identidade que se constrói ao ser construída, exigindo de aprendiz e educador um consciente e constante posicionamento, uma maior criticidade e o desejo forte e legítimo de buscar, nas pesquisas e projetos, enfim, no ato de educar, um aprimoramento do saber, além, é claro, do resgate da autoestima e da dignidade profissional, só assim teremos de volta a legítima identidade que se perdeu ao longo dos tempos.


Anna Teresa R.M.A. Gouvêa, 49, mestra em Educação pela UNICAMP, é professora efetiva de Língua Portuguesa pela Rede Pública Estadual, E.F.II e E.M., atuando, também, na Rede Particular de Ensino - Colégio D.Pedro II, Americana, SP
Curso: Artigo de opinião - turma B








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